quarta-feira, 31 de agosto de 2011

TOQUE DE RECOLHER

Toque de recolher, juventude ou gado?


por Kenarik Boujikian Felippe


Projeto de lei apresentado em agosto de 2011, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, quer tratar os adolescentes como gado, que se leva ao pasto e depois recolhe, mas com jovem, tem que ser diferente.


O projeto de lei, que fere todos os princípios que norteiam as normas vigentes, estabelece que será vedado aos menores de 18 anos desacompanhados de mãe, pai ou responsável, no período das 23h30 (vinte e três horas e trinta minutos) às 5h (cinco horas): transitar ou
permanecer nas ruas; entrar ou permanecer em: restaurantes, bares, padarias, lanchonetes, cafés ou afins; boates, danceterias ou afins; lan houses, casas de fliperama ou afins; locais de freqüência coletiva.


Prevê a criação de equipes, que compostas por policiais civis ou militares, além de conselheiros tutelares, farão ronda, com a finalidade protetiva de recolher os menores de 18 (dezoito) anos que estiverem em situação de risco, que estejam expostos a qualquer tipo de: ilicitude; comportamento impróprio para sua faixa etária; insalubridade; situação degradante. Exemplifica situações de risco como as que envolvem as seguintes práticas: consumo de bebida alcoólica, cigarro ou qualquer outra droga, por menor de 18 (dezoito) anos; prostituição; audição de som em alto volume, propagado por veículos particulares ou estabelecimentos comerciais; condução de veículo automotor, por menores de 18 anos.


Em algumas cidades, de diversos estados, já existe lei municipal (inconstitucional), que têm a mesma formatação.


O tratamento que se pretende dar à juventude é a mesmo dispensado àqueles que cometeram crimes e foram condenados.


O direito fundamental de ir e vir está previsto na constituição federal e o estatuto jurídico do preso é exceção à regra, nos termos da própria
constituição.


Assim, a Lei de Execução Penal prevê que podem ser impostas ao condenado no livramento condicional, como condição, recolher-se à habitação em hora fixada (artigo 132, parágrafo 2º); para o condenado que cumprirá a pena em regime aberto o juiz estabelece a condição de sair para o trabalho e retornar nos horários fixados (artigo 115, II); nas saídas temporárias, o juiz fixa a condição de recolhimento à residência visitada, no período noturno (artigo 124, II).


A limitação espacial, num estado democrático, é medida da maior gravidade.


A regra é o gozo do direito fundamental de ir e vir. Exceção constitucional ao direito de locomoção é a vigência do estado de sítio, quando será possível determinar a obrigação de permanência em localidade estabelecida, lembrando que esta medida exige a intervenção do Presidente, Conselho da República e Congresso Nacional, dada às suas conseqüências nefastas. Só pode ser decretada em razão da ineficiência do estado de defesa, comoção grave ou declaração de estado de guerra, e, ainda, deve ser por tempo determinado.


Nas cidades onde existe o “toque de recolher”, os jovens foram alçados à condição de condenados ou inimigos do estado.


Tratar a juventude, pela circunstância de serem crianças ou adolescentes, como condenados, é desrespeitar a natureza de humano das pessoas e não ver as crianças e os adolescentes como sujeitos de direito.


Alguns Tribunais já enfrentaram a matéria e foi declarada a inconstitucionalidade da norma municipal. Neste sentido, a decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, de junho de 2011, na ADIN 2010.014498-7, referente à lei municipal de Tubarão, relatada pelo desembargador Lédio Rosa de Andrade, que traz lição de Rosinei Paes Anselmo:


“Em pleno século XXI, deparamo-nos com práticas que remontam ao período medieval e ditatorial nas questões relacionadas ao direito da criança e do adolescente.


Questão que comprova essa situação é o toque de recolher – proibição de circulação de crianças e adolescentes nas ruas no período noturno, adotado em algumas cidades do país, por meio de lei municipal ou por portaria de juízes da infância e juventude.


A medida é um retrocesso que retoma o pensamento da idade média e do “período de chumbo”, segundo o qual os direitos e garantias individuais eram ignorados, notadamente no que diz respeito à criança e ao adolescente”.


O mesmo órgão já decidira, em março, em caráter liminar, a inconstitucionalidade da lei do “toque de proteger”, da cidade de Guaramirim, no processo 2010.060882-1, cujo relator foi o desembargador Eládio Torret Rocha, que apontou que “instituir toque de proteger (ou de recolher) tolhe o direito de ir, vir e ficar das crianças e dos adolescentes, implicando em negativa das suas qualidades de sujeitos de direito e, conseguintemente, em violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Ele afirma:


“A clausura tem o efeito de lhe prejudicar o sadio desenvolvimento, eis que o priva da convivência com seus pares, cujas experiências, boas ou más, revelam-se imprescindíveis para a sua plena formação humana como indivíduo adulto. O sacrifício da liberdade física não condiz, ademais, com um Estado Constitucional e Democrático de Direito, o qual assenta-se sobre o princípio da dignidade da pessoa humana e a supremacia dos direitos fundamentais. Muito ao contrário. Evidencia-se, nessa prática, instituto típico dos estados autoritários e policialescos, destinado à segregação dos estratos sociais pauperizados e, por isto mesmo, marginalizados, consubstanciando-se, pois, verdadeira limpeza social.


A salvaguarda de nossos jovens não perpassa o manietamento de seus direitos fundamentais, mas a atuação pontual e efetiva da família, da sociedade e do Estado – aqui compreendido em seus entes tripartites: União, Estados-membros e Municípios – em exigir e cumprir as suas atribuições, competências e responsabilidades sociais, econômicas e jurídicas em tema de infância e juventude”.


Não duvido que a medida tenha respaldo de parcela da sociedade, de pais que priorizam o mais cômodo, que abdicam das suas relações e responsabilidades, preferem não ver o irracional que nela esta contida, na medida que estas normas são originárias do perverso sentimento do medo, que segundo Lenine e Julieta Venegas:


“O medo é uma linha que separa o mundo O medo é uma casa aonde ninguém vai O medo é como um laço que se aperta em nós O medo é uma força que não me deixa andar”.


Preocupante saber que o “toque de recolher” foi idealizado em algumas cidades, por portaria do Poder Judiciário.


Mas alguns tribunais já decidiram pelo afastamento destas portarias e o Conselho Nacional de Justiça, em decisão de março de 2010, no processo 0002351-58.2009.2.00.0000 (200910000023514), promovido pelo Ministério Público de Minas Gerais, relator Ministro Jorge Hélio Chaves de Oliveira, apontou que a portaria atenta contra qualquer sorte de razoabilidade, reduz o princípio da legalidade e extrapola os limites delineados pelo ECA e os excessos praticados pelo magistrado, usurpando, inclusive, competência privativa da União para legislar sobre direito civil, penal, comercial processual (artigo 22 da CF/88), as determinações de caráter geral estabelecidas pela Portaria ainda ofendem os artigos 5º, II; 227,
§§3º e 4º e 229, todos da Carta Constitucional, além do artigo 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente.


Não podemos deixar de enxergar os malefícios que causam para a construção de uma República, que tem por fundamento a dignidade da pessoa humana (art. 1º da CF), constituindo um de seus objetivos a promoção do bem estar de todos sem preconceito de idade e outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV da CF).


Se mantidas as normas e portarias estaremos a cercear o desenvolvimento natural de praticamente toda a infância e adolescência, dos jovens brasileiros, vitimizando-os, pois o estado colocará na conta da juventude, punindo-os, pela sua incapacidade de realizar políticas públicas de segurança, eficazes.


O que esperar de pessoas que não puderam ter um desenvolvimento sadio e seguro?


A medida está na lógica do estado policial. Suas raízes se fundam na relação de controle, que não está e nem pode estar ao alcance das relações humanas. A base para relações sadias deve ser a relação de confiança para que seja possível ter crianças e jovens efetivamente protegidas.


Interessante saber que encontramos no pensamento de muitos jovens, os fundamentos das decisões referidas. Colho como fonte, recente trabalho realizado na Escola Móbile, em São Paulo, por jovens do 9º ano, que não são atingidos por estas restrições, e que exercitaram a escrita de carta argumentativa sobre o tema. Destaco algumas passagens, que dizem mais do que qualquer coisa:


“Os adolescentes devem aprender a lidar com ela (liberdade) e com as responsabilidades que traz. Ao invés de criar uma lei que restrinja a liberdade dos adolescentes, seria infinitamente mais benéfico para a sociedade criar leis que ensinem o jovem a utilizar essa liberdade sem infringir a liberdade alheia. Além disso, é preciso constatar que se o adolescente não sabe ser livre, o futuro adulto também não saberá” (texto 2).


“A lei por Vossa Excelência implantada pode não ser a melhor maneira de evitar que os jovens se droguem, bebam ou deixem de estudar… Proibir os adolescentes de sair de casa após às 23h00 significa tirar deles …importante momento de socialização.


“Proibir os jovens de sair durante a noite não os impede de beber ou se drogar” (texto 3).


“Como somos todos obrigados a seguir os artigos da Constituição, creio que o toque pode ser considerado ilegal…para diminuir a quantidade de jovens envolvidos com drogas, prostituição e álcool, devem ser feitas campanhas para alertar os pais e estes não devem ser punidos pelos atos dos filhos.


Há sim aqueles que se envolvem com álcool, drogas e até mesmo prostituição, porém, há também os que não se utilizam destas drogas. É desvantagem para os segundos terem como punição o mesmo que os primeiros…o dever de cuidar dos adolescentes ser de seus próprios pais, e não do governo, sendo eles os responsáveis por dizer aos filhos quando devem voltar para dormir para não atrapalhar os estudos” ( texto 4).


“Todos estão em perigo quando se encontram nas ruas, problema esse de segurança pública, a qual deve ser urgentemente melhorada. Entretanto, apesar de a norma implantada objetivar a proteção do jovem, acaba intervindo em sua liberdade e agredindo o artigo 5º da Constituição….o jovem está pagando com sua liberdade pelos problemas de segurança. Além disso…penaliza a todos.


O governo não é responsável pelo controle do jovem, mas sim pela segurança oferecida a ele” (texto 5).


“Creio que o senhor saiba que não permitir a circulação dos jovens depois de certo horário desrespeita o artigo 5º da Constituição, que determina o “direito de ir e vir”.


Mas será que a lei está cumprindo totalmente seu objetivo ou está apenas sacrificando parte da liberdade dos jovens?….sabemos que o diálogo é algo muito importante durante a adolescência… O diálogo entre os jovens e os pais também é limitado pelo toque: as famílias acabam não discutindo sobre quais são as “partes boas” e as “partes ruins” de ficar sozinho à noite na rua, os males que as drogas podem fazer, entre outros assuntos…
Entendo que sua intenção era proteger os jovens, por isso, sugiro que seja investido dinheiro em educação (para os adolescentes entenderem os males das drogas, por exemplo) e em rondas policiais noturnas… e dar mais segurança aos jovens que saem à noite sem más intenções” (texto 6).


“Tenho noção dos limites que existem para um Juiz… Essa (portaria) criada por Vossa Excelência é genérica, tendo efeito de lei, por atingir qualquer jovem de minha região. Como repito e o senhor sabe, não cabe a um Juiz criar uma lei, isso podendo ser considerado um crime contra as normas do país…O direito de ir e vir cabe tanto para adultos quanto para adolescentes” (texto 7).


“Esta lei pretende tirar a função educacional dos pais, alegando que estes não têm “controle” sobre seus filhos. Certo ou errado, é direito e obrigação dos pais avaliar o que é melhor para seus filhos e prepará-los para a vida.


Aliás, esta medida não é exatamente inovadora, pois a primeira via que os ditadores fazem… é decretar um toque de recolher… com a desculpa de estar “protegendo” o povo. Certamente sua intenção não é a mesma, mas o precedente é perigoso…esta regra precisa ser revogada. São necessárias outras medidas para “acolher” o povo” ( texto 10).


“A Constituição brasileira diz que é livre a locomoção no território nacional em tempos de paz. Nós estamos em tempos de paz, contudo a livre locomoção para os jovens foi restringida. Essa lei é, portanto, inconstitucional…argumento usado é que essa lei coloca horários para os adolescentes dormirem para que possam ter um bom rendimento escolar…não é certo que o jovem irá para a cama depois do toque…o horário de volta e o rendimento escolar é algo a ser discutido com os pais, não sendo necessária a intervenção do estado. Isso apenas enfraquece as relações familiares…o toque de recolher é uma medida que deve ser revogada. Deve-se pensar na liberdade do ser humano” (texto 11).


“Não são todos os adolescentes que se envolvem com delitos, drogas e brigas. Então, essa lei é injusta com os jovens que querem sair até tarde apenas para ir ao cinema, a restaurantes, shoppings, etc.


Também é uma questão de confiança entre pais e filhos: limitar brutalmente a liberdade dos adolescentes não é a solução para acabar com o envolvimento de menores de idade com drogas ou roubos. Os jovens devem aprender a serem responsáveis por conta própria, com suas próprias experiências, e não pela imposição dos pais ou do governo” (texto 12)


Não podemos seguir o caminho de criminalização da juventude. Sabemos quem serão os mais atingidos. Temos uma gigantesca normativa de proteção de direitos humanos, seja no âmbito internacional e nacional (especialmente a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e Adolescente). Já não passou da hora do Estado cumprir as suas obrigações com suas crianças e
adolescentes?


Liberdade é o componente necessário para que os seres humanos desfrutem da condição humana. Se queremos jovens que assumam a vida deste país não podemos deixar de vê-los, como são: sujeitos de direitos, dotados de todos os direitos e fundamentais e não objeto de intervenção do estado.


Não podemos esconder problemas, temos que resolvê-los.


Kenarik Boujikian Felippe, juíza de direito da 16ª Vara Criminal de SP,
co-fundadora e ex-presidente da Associação Juízes para Democracia.


Link da matéria:
http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/kenarik-boujikian-juventude-ou-gado.html

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

BEM TOMBADO

Justiça determina isenção de IPTU de imóvel tombado

Por Rogério Barbosa

O proprietário de um imóvel tombado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo está isento de pagar o IPTU. O Tribunal de Justiça paulista entendeu que com a perda do valor venal (valor de venda) que o bem sofre em virtude das restrições impostas pelo tombamento perde-se o princípio informativo do imposto. O IPTU é cobrado sobre o valor venal.

A Empreendimentos Imobiliários e Representações São Pedro, representada pelo escritório Viseu Advogados, ajuizou recurso contra decisão de primeira instância que não aceitou o pedido de anulação do IPTU. No requerimento, a advogada Fernanda Horovitz Frankel arguiu nulidade da perícia sob o argumento de que o profissional não possuía habilitação técnica para tanto, uma vez que as perícias só poderiam ser feitas por engenheiro civil. No caso, foi feita por engenheiro industrial. Além disso, manteve suas alegações de que as restrições impostas ao uso, gozo e disposição do imóvel, em virtude do tombamento, retira o valor venal do bem, pois nenhum comprador teria interesse em um imóvel com tantas limitações de uso.

O TJ-SP não acatou a nulidade da perícia sob a ótica de que a prova produzida foi segura e apta a sustentar a sentença proferida. E mais: a parte não se manifestou sobre o caso no momento oportuno, que seria o da nomeação do perito. Deixou para questionar a nomeação somente após conhecer o teor do trabalho que fora desfavorável aos seus interesses.

O TJ paulista entendeu cabível a anulação do IPTU, pois “o tombamento impõe à propriedade uma restrição de natureza administrativa, no que respeita às suas mais importantes funções de uso, gozo, disposição e, sobretudo, quanto à faculdade de destruição. Por ele não se retira do proprietário o domínio, que exerce sobre o bem ou coisa, mas a submete a um regime mais restrito em relação a esses aspectos da propriedade".

Ressaltou que, teoricamente, o proprietário tem a propriedade e o domínio útil da área porquanto domínio útil traduz-se no direito de usufruir do imóvel da forma mais ampla possível, podendo, inclusive, transmiti-lo a terceiro a título oneroso ou gratuito. E que, apesar de louvável a iniciativa do poder público de promover o tombamento da área, na prática o que ocorreu foi um verdadeiro apossamento administrativo, ao retirar a capacidade contributiva do proprietário por ausência da fruição do material do imóvel, constituindo o lançamento em questão (IPTU), verdadeira violação ao princípio informativo do imposto, tornando-o indevido.

Clique aqui para ler o acórdão.

Rogério Barbosa é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 23 de agosto de 2011

HONORÁRIOS

Honorários de advogados devem constar em indenizações

Por Flávio Cascaes de Barros Barreto

As obrigações são criadas para serem cumpridas na forma, no lugar e no tempo estabelecidos. As partes obrigam-se entre si, garantindo o adimplemento através do seu patrimônio. O inadimplemento de uma obrigação, portanto, gera consequências patrimoniais, que estão elencadas nos seguintes artigos do Código Civil:

“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

“Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

“Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.”

Por força desses dispositivos (o primeiro, regra geral), os honorários de advogado, ao lado dos juros e correção monetária, integram os valores devidos a título de reparação por perdas e danos.

Importante destacar que tais “honorários de advogado” não se confundem com os estabelecidos nos artigos 20 do Código de Processo Civil e 23 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB), conhecidos como “honorários de sucumbência”, pois estes pertencem ao advogado (como direito autônomo) e são suportados pelo vencido, incluídos automaticamente em condenação.

Os honorários de advogado previstos nos aludidos dispositivos do Código Civil são, assim, aqueles pagos pelo credor ao seu advogado, para que este mova a ação de reparação por perdas e danos. Os honorários em questão constituem uma espécie de dano emergente, fruto do inadimplemento do devedor.

Esse dano emergente também não pode ficar sem reparação. Foi isso o que proclamou o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao interpretar os artigos 389, 395 e 404 do Código Civil, em dois recentes julgamentos da relatoria da Ministra Nancy Andrighi.

No primeiro deles, cuidou-se de ação de reparação por danos materiais ajuizada por empregado contra empresa, na qual o obreiro pleiteou o ressarcimento pelos gastos com a contratação de advogado para o ajuizamento de reclamação na Justiça do Trabalho, em virtude da retenção indevida de verbas trabalhistas. Tratou-se a controvérsia, assim, de determinar se é cabível reparação por danos materiais ao empregado que contrata advogado para o ajuizamento de reclamação trabalhista contra seu empregador.

A 3ª Turma do STJ entendeu que sim, e essa decisão se repetiu pouco tempo depois em ação de cobrança cumulada com compensação por danos morais, ajuizada por uma empresa transportadora contra uma seguradora, em que alegou recusa de pagamento dos prejuízos advindos de acidente que envolveu veículo segurado. Pleiteou a transportadora o pagamento da cobertura securitária e a reparação pelos danos materiais e morais sofridos com a recusa e, ainda, o ressarcimento das despesas com a contratação de advogados para o ajuizamento da ação.

Para a Ministra Nancy Andrighi, “como os honorários convencionais são retirados do patrimônio da parte lesada – para que haja reparação integral do dano sofrido – aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos com os honorários contratuais. Trata-se de norma que prestigia os princípios da restituição integral, da equidade e da justiça”. Para o guardião da letra da lei federal, portanto, os honorários advocatícios contratuais integram os valores devidos a título de reparação por perdas e danos.

Prudentemente, em ambos os julgados, o STJ deixou assentado que, para evitar interpretações equivocadas dessas decisões, “cumpre esclarecer que, embora os honorários convencionais componham os valores devidos pelas perdas e danos, o valor cobrado pela atuação do advogado não pode ser abusivo”. Desse modo, “se o valor dos honorários contratuais for exorbitante, o juiz poderá, analisando as peculiaridades do caso concreto, arbitrar outro valor, podendo utilizar como parâmetro a tabela de honorários da OAB”.

Com essas decisões do STJ, tais dispositivos legais tendem a ser mais bem explorados de agora em diante em ações de reparação por perdas e danos, pois resta claro que a contratação de advogado, por se constituir em dano emergente, não pode ficar sem ressarcimento. Especialmente em homenagem ao princípio da restituição integral, que, nas precisas palavras da Ministra Nancy Andrighi, “se entrelaça com os princípios da equidade, da justiça e, consequentemente, com o princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista que, minimizando-se os prejuízos efetivamente sofridos, evita-se o desequilíbrio econômico gerado pelo descumprimento da obrigação e protege-se a dignidade daquele que teve o seu patrimônio lesado por um ato ilícito”.

Flávio Cascaes de Barros Barreto é advogado, sócio do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 24 de agosto de 2011

terça-feira, 23 de agosto de 2011

ENTREVISTA PARA FOLHA DE SP


Terreno tem de ser relevante ao Estado, diz conselheiro

VANESSA CORREA
DE SÃO PAULO

Presidente do Condephaat, Fernanda Bandeira de Mello afirma que não há prazo para que a avaliação sobre o tombamento da área do Itaim Bibi seja concluída.
Há processos que ficam anos à espera de decisão no órgão, mas Fernanda diz que irá acelerar essa análise.
Conselheiro do órgão e relator do processo, Ricardo Yamasaki disse que o quarteirão só será preservado se um estudo detalhado demonstrar a existência de valor histórico ou arquitetônico para o Estado, e não só para a cidade de São Paulo.
Yamasaki, relator do processo, afirma que a decisão de analisar o valor histórico do local ocorre devido à qualidade do levantamento que embasa o pedido e a grande quantidade de assinaturas que o acompanhavam.
Pelo levantamento apresentado, elaborado pela arquiteta Vanessa Kraml (contratada pelos moradores que são contrários à venda da área), no quarteirão do Itaim estão até hoje os remanescentes da antiga casa da família Couto Magalhães, dona da chácara Itahy. A propriedade, loteada, deu origem ao atual bairro do Itaim.
Já a biblioteca Anne Frank foi a primeira filial da Biblioteca Infantil Municipal, instalada no local em 1945 após palpites do escritor Monteiro Lobato, que visitou o local.
Dez anos mais tarde, a biblioteca ganhou prédio novo, em arquitetura modernista. O edifício foi construído em conjunto com o teatro, que, na inauguração, em 1955, teve encenação de uma peça infantil de autoria de Monteiro Lobato, escrita especialmente para a ocasião.
Em 1977 o teatro foi cedido para a Faculdade de Comunicação e Artes da USP e, por vinte anos, foi sede do Tusp (Teatro da USP).
Além de construções históricas, o pedido de tombamento aponta a existência de 28 espécies de árvores no lote, entre elas um pau-brasil.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

CARGA RÁPIDA

Advogado pode agora acessar processos em que não atua

Advogados e estagiários de Direito estão autorizados a acessar autos que não corram em segredo de Justiça, mesmo que eles não estejam constituídos como procuradores de partes da ação. A garantia da carga rápida foi dada no último 9 de agosto, pela Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo.

De acordo com o Provimento 20, de 2011, que garantiu a vista de autos, estagiários e a advogados podem ver o material por até uma hora. Antes de autorizar a consulta, o serventuário do cartório deverá verificar os dados da Carteira da OAB, para confirmar se o requisitante está regularmente inscrito na Ordem.

O pedido foi levado à Corregedoria pela OAB paulista. O presidente da entidade, Luiz Flávio Borges D´Urso, comemorou o que chama de uma “vitória importante da advocacia. “Desde o primeiro ano de nossa gestão, antes mesmo de haver lei federal em vigor, a OAB-SP solicitou e o TJ-SP editou o Provimento 4, que regulamentou a carga rápida na Justiça Estadual”, conta.

De acordo com ele, “a partir dali, acabou o constante descontentamento dos colegas sobre pedidos rejeitados de vista de autos fora de cartório. Agora, a carga rápida é ampliada pelo Provimento da Corregedoria do Tribunal de Justiça para advogados e estagiários não constituídos nos autos, que não estão sob segredo de Justiça”.

Antonio Ruiz Filho, presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas, acredita que a medida é importante para o trabalho dos advogados, uma vez que a carga rápida dos autos é fundamental para bem exercer o direito de defesa. Assim sendo, vejo a carga rápida como uma prerrogativas profissional a ser observada pelo Poder Judiciário e o corregedor do TJ-SP, desembargador Maurício Vidigal mostrou sensibilidade ao nosso apelo nesse sentido”, comentou.

O texto, publicado no último 11 de agosto, leva em conta os incisos XIII, XV e XVI do artigo 7º do Estatuto da Advocacia e OAB, que garantem aos advogados o direito de consultar autos que não corram em segredo de Justiça, mesmo sem procuração. Com informações da Assessoria de Comunicação da OAB-SP.

Leia abaixo a íntegra do Provimento 20, de 2011:

O Desembargador Maurício da Costa Carvalho Vidigal, Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais,

Considerando o disposto no artigo 7º, incisos XIII, XV e XVI, da Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994;

Considerando o decidido pelo E. Conselho Nacional de Justiça, ao ensejo do Procedimento de Controle Administrativo número 200710000015168, relatado pelo Excelentíssimo Senhor Conselheiro Jorge Antonio Maurique;

Considerando a solicitação formulada pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo, por sua Comissão de Direitos e Prerrogativas;

Considerando, ainda, o sugerido, exposto e decidido nos autos do Processo nº 2011/25568 - DICOGE 2.1,

Resolve

Artigo 1º - O subitem 91.2, do item 91, do Capítulo II, Tomo I, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, passará a ter a seguinte redação:

“91.2. Para a garantia do direito de acesso aos autos que não corram em segredo de justiça, poderá ser deferida ao advogado ou estagiário de Direito, regularmente inscritos na OAB, que não tenham sido constituídos procuradores de quaisquer das partes, a carga rápida, pelo período de 1 (uma) hora, mediante controle de movimentação física, observadas as cautelas previstas no item 94-A e subitens 94-A.1, 94-A.2 e 94-A.3, destas Normas, ainda que não se trate de prazo comum às partes, devendo o serventuário proceder à prévia consulta ao sítio da Ordem dos Advogados do Brasil da Internet, à vista da Carteira da OAB apresentada pelo advogado ou estagiário de Direito interessado, com impressão dos dados obtidos, os quais deverão ser previamente conferidos pelo funcionário, antes da lavratura de tal modalidade de carga”.

Artigo 2º - Este provimento entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em sentido contrário.

Registre-se. Cumpra-se.

São Paulo, 09 de agosto de 2011.

Este texto não substitui o publicado no DJe, TJSP, Administrativo, 11/8/2011, p. 2

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

ECA

Acolher é proteger. Recolher é crime
Por Siro Darlan de Oliveira
A Declaração de Genebra de 1924 estabeleceu à Humanidade o dever de observância aos direitos de crianças, do qual se infere o dever prestacional de assegurar a proteção, assim como o dever de abstenção de práticas perniciosas.
Em 20 de novembro de 1959 a Organização das Nações Unidas adota a Declaração Universal dos Direitos da Criança, posteriormente ratificada pelo Brasil. Tal documento, em consonância à proteção especial enunciada na Declaração de Genebra, expõe que “a humanidade deve à criança o que de melhor tiver a dar”, indicando em seu Princípio II e VII que:
“(...) II- A criança tem o direito de ser compreendida e protegida, e devem ter oportunidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. As leis devem levar em conta os melhores interesses da criança. (...)”
Reafirmando as diretivas da Declaração Universal dos Direitos da Criança, o Artigo 3 1. prevê que “(...) Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança. (...)”
O melhor interesse da criança se consolida como disposição de grande amplitude que indica a prioridade em se concretizar os direitos garantidos às crianças, vez que se deve, sob quaisquer circunstâncias, considerar as melhores soluções possíveis para esta parcela da população.
A Constituição Federal de 1988 contempla a proteção dos direitos fundamentais antes mesmo de apresentar as normas organizadoras da atividade estatal, revelando o seu compromisso à consecução daqueles.
O artigo 5º, § 1º, da CRFB, estabelece que os direitos humanos têm aplicabilidade imediata:“(...) § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. (...)”
A efetivação dos direitos fundamentais concerne aos custos dos direitos. Em uma sociedade em que os recursos são escassos, implementar um direito fundamental, especialmente os sociais, é tarefa que exaspera os limites dos critérios jurídicos de proteção do direito para invadir a inevitável relevância dos fatos.
A Carta Magna prevê, em seu artigo 227, o arcabouço do atual regramento acerca da garantia de direitos de crianças e adolescentes, In verbis: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Preleciona o Professor Wilson Donizeti Liberatti: “Nossos Tribunais têm reiteradamente, e com acerto, firmado entendimento reconhecendo que o interesse da criança e do adolescente deve prevalecer sobre qualquer outro interesse, quando seu destino estiver em discussão” (LIBERATTI, WILSON DONIZETI. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 17.)
Dispõe o artigo 1º da Lei 8.069/90: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. Crianças e adolescentes passaram a ser considerados cidadãos, sujeitos de direitos, com direitos pessoais e sociais garantidos, desafiando os governos em todas as suas esferas a formularem e implementarem políticas públicas, especialmente dirigidas a esse segmento, amparadas na destinação privilegiada de recursos.
Neste sentido, já tive oportunidade de mencionar que a solução para problemas que envolvam crianças e adolescentes não perpassa por atitude repressiva. Ao revés, deve ser realizada mediante a consecução de políticas públicas, cuja realização impõe a apreciação principiológica em todos os níveis e esferas de atuação pública.
Ao Poder Legislativo impõe a discricionariedade regrada de prever a legislação pertinente à previsão de normas gerais que atendam aos fins propostos em sede constitucional, de modo que todos os direitos conferidos às crianças sejam alcançados, sendo certo que tais regras devem estar balisadas pela estrutura principiológica de garantia do melhor interesse das crianças.
Ao Poder Judiciário incumbe garantir a constitucionalidade e a legalidade dos atos realizados, tendo sempre em consideração a perspectiva de atuação em favor de crianças e adolescentes, destinatárias das normas preventivas e protetivas.
Por sua vez, não pode o Poder Executivo, imbuído de ponto de vista repressivo, pretender realizar faxina social, mediante o recolhimento das crianças, como alhures já referi, de modo a que sejam crianças expurgados da sociedade. A solução não passa pela exclusão dos indivíduos, a consideração distorcida e dissociada da previsão constitucional.
Ao contrário, impõe o respeito a sua condição de pessoas em desenvolvimento, mediante a previsão, garantia e execução de políticas públicas, que permitam a crianças e adolescentes o alcance de seus direitos.
Neste sentido, cabe afirmar que o Ministério Público detém atribuições legais para impor a adequada realização de políticas públicas em prol de crianças, assim como para impedir o vilipêndio acintoso de seus direitos.
Nem se afirme que se estaria adentrando o mérito administrativo. Isto porque o resguardo do mérito administrativo presume a sua legalidade. No caso de recolhimento de crianças, não tendo por ótica o seu melhor interesse, mas tão-somente a maquiagem social, verifica-se a ilegalidade, sendo de atribuição do Judiciário a sua apreciação para fins de expurgar o equívoco do ato.
Em consonância com a recente reforma do Código Penal, Lei 12.403/2011, cabe desde logo dizer que a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indicio suficiente de autoria.
Assim, como leciona a doutrina, o periculum libertatis e o fumus commissi delicti são o fundamento e o requisito da preventiva, respectivamente.
A nova lei 12.403 de 04/05/2011 prevê no parágrafo único do art. 313 do CPP que também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da prisão.
O mestre Guilherme de Souza Nucci na sua obra Prisão e Liberdade sobre a nova lei assevera que o direito ao silêncio liga-se ao contexto da imputação, mas não à identificação do indiciado ou réu. Ainda, ressalva que a Lei 12.037/2009 prevê as hipóteses nas quais se pode identificar o indiciado ou réu, criminalmente, colhendo suas impressões dactiloscópicas e sua fotografia.
O doutrinador Aury Lopes Junior no seu livro O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas salienta com muita propriedade que lhe é peculiar que o dispositivo em questão não está autorizando a prisão preventiva para averiguações e que tal artigo deve ser interpretado em conjunto com a lei 12.037/90 que regulamentou a identificação criminal prevista no art. 5º, LVIII, da CF.
O mestre Aury ressalva que não sendo apresentado qualquer documento civil ou militar, ou nas hipóteses do art. 3º da Lei 12.037, será o suspeito submetido à identificação criminal e, dependendo do caso, à prisão preventiva (desde que cabível).
Como se vê, a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil somente poderá ser decretada na ausência de qualquer documento civil ou militar, ou nas hipóteses do art. 3º da Lei 12.037 (tais como o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação, entre outros), desde que seja cabível.
Cediço que a prisão preventiva somente tem cabimento nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 anos; se o suspeito tiver sido condenado por outro crime doloso com sentença transitada em julgado; se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgências ou, se houver descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.
Fora as hipóteses de cabimento acima mencionadas a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil ou quando a pessoa não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la é ilegal, sob pena de afronta ao princípio da presunção da inocência.
Não se pode prender apenas para identificação pessoal. Como bem esclarece Silvio César Arouk Gemaque “ninguém pode ser preso preventivamente apenas porque não tenha como comprovar sua identidade, sem que haja qualquer indício de prática de crime (...)”.
Finalizando, cumpre então dizer que a nova lei não pode autorizar a prisão de qualquer pessoa tão-somente pelo fato de a mesma não fornecer elementos para a sua devida identificação pessoal, somente se podendo aceitá-la desde que cabível, conforme hipóteses acima mencionadas.
Sob esse enfoque, deve-se analisar a real natureza do denominado “Protocolo do Serviço Especializado em Abordagem Social no âmbito da Proteção Social Especial de Média Complexidade ” que está sendo implementado pelo Poder Executivo do Município do Rio de Janeiro.
Diz o citado documento (RESOLUÇÃO SMAS Nº 20 DE 27 DE MAIO DE 2011. Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Município de 30.05.2011), no seu artigo 5º, inciso XV, in verbis:
“Art. 5º - São considerados procedimentos do Serviço Especializado em Abordagem Social, devendo ser realizados pelas equipes dos CREAS/Equipe Técnica/Equipe de Educadores:
(...) XV – acompanhar todos os adolescentes abordados à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente - DPCA, para verificação de existência de mandado de busca e apreensão e após acompanhá-los à Central de Recepção para acolhimento emergencial;” (...)(grifei)
Cediço que a apreensão em flagrante do adolescente infrator, é medida drástica de privação de liberdade, em relação a qual devem ser rigorosamente observados os direitos e garantias previstos no ECA, sob pena de responsabilização.
Registre-se que, há que deixar claro que a criança (até 12 anos de idade incompletos) não será apreendida em flagrante pela polícia por prática de ato infracional, só o sendo o adolescente (de 12 até 18 anos de idade incompletos). Segundo o artigo 105 do ECA, ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101 (medidas protetivas ou de proteção em espécie, a serem aplicas pelo Conselho Tutelar (art. 136, I) ou Juiz da Infância e Juventude (art. 262). Pelo ora exposto, depreende-se que, prima facie, inexistirá mandado de busca e apreensão expedido em desfavor de criança, logo, a dita abordagem para o efeito previsto no inciso acima referido, atinge ou deveria atingir, apenas o adolescente.
Por outro lado, nos termos do ECA (art. 106, caput), em norma adaptada do art. 5º, LXI, da Constituição, o adolescente somente será privado de sua liberdade em duas hipóteses: 1) em caso de flagrante de ato infracional ou 2) por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Ora, se a apreensão ou a “abordagem” do adolescente não se deu em razão de flagrante de ato infracional, sua condução coercitiva à DPCA para verificação de existência de mandado de busca e apreensão, representa claro desrespeito às garantias constitucionais e infraconstitucionais.
A apreensão em flagrante do adolescente está regulada no ECA, mais precisamente, no Título VI: Do Acesso à Justiça, Capítulo III: Dos Procedimentos, Seção V: Da Apuração de Ato Infracional Atribuído a Adolescente, valendo salientar que aplicam-se subsidiariamente as normas gerais previstas no Código de Processo Penal e leis processuais esparsas pertinentes (cf. art. 152).
Assim, somente se houver dúvida sobre a idade real do adolescente, cuja identificação não foi obtida e que alega ser menor de 18 anos, como tal será tratado, inclusive na lavratura dos respectivos procedimentos, até esclarecimento através do órgão de identificação ou perícia médico-legal. A identificação compulsória, em consonância com o art. 5º, LVIII, da CF, ocorre nos termos do art. 109 do ECA que dispõe que: "O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada". (grifei) Realizada a identificação ao arrepio da hipótese legal, configura-se a responsabilidade penal do art. 232 do ECA.
Deve-se, portanto, evitar a vulgarização da apreensão do adolescente, estabelecendo-a como uma rotina de abordagem social, sob o falso aspecto de que se está cumprindo a norma legal. O Poder Público, como garantidor dos direitos dos adolescentes apreendidos, deve repelir qualquer atitude que vise a expor a imagem e identidade destes, ao contrário, deve pautar seus esforços e ações no sentido de priorizar a proteção integral a que fazem jus.
Destarte, o ECA constitui paradigma de enfrentamento proporcional e garantista das questões que envolvem a infância e juventude, e como tal, deve ser o instrumento legal utilizado por aqueles quem são incumbidos pela ordem constitucional de assegurar com absoluta prioridade os direitos das crianças e dos adolescentes.
Dessa forma, conclui-se que as ações de recolhimento de adolescentes realizadas ao arrepio do ECA com a aplicação subsidiária do parágrafo único do art. 313 do CPP, e a implementação do famigerado “Protocolo do Serviço Especializado em Abordagem Social”, em detrimento dos interesses superiores dos adolescentes é incabível, inconcebível e flagrantemente ilegal, uma vez que afrontam a doutrina da proteção integral e contrariam os princípios de interpretação insculpidos no art. 6º da Lei 8069/90 e no art. 227 da Constituição Federal.
Siro Darlan de Oliveira é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Revista Consultor Jurídico, 30 de julho de 2011